A favela brasileira é uns dos cenários mais retratados no cinema brasileiro contemporâneo e que alem disso aparece nos filmes do Cinema Novo e dos anos cinqüenta. Com os anos, esta imagem da favela tem mudado de uma imagem idealizada na metade do século vinte -como é descrita pela Márcia Pereira Leite no seu artigo “The Favelas of Rio de Janeiro in Brazilian Cinema (1950 to 2000)- até uma favela heterogênea com seus problemas que vão mais lá do problema da violência. Ao primeiro grupo pertence o filme “Rio, 40 graus” (1955), e no segundo ficam “Orfeu” (1999) e “Cidade de Deus” (2002).
Na primeira fase, a Leite descreve uma idealização da favela onde Nelson Pereira dos Santos retrata todos os favelados como gente pobre. E é verdade, no filme dele do ano 1955 a gente percebe uma distância entre o diretor e o povo favelado. Mesmo se Pereira dos Santos tentou fazer um filme social ou de compromisso, acabou idealizando a imagem dos pobres porque eles foram representados como seres marcados pela sua condição. “Os pobres são assim por causa da pobreza, não porque eles quiseram ser assim” diria o Nelson. Então, todo pobre é maldito. A Leite explica: “Tributary to the representation of the ‘national’ and the ‘popular’ in the political imaginary of the era, the film [Rio, 40 graus] idealises the favelas and territorialises poverty and popular culture” (153). Além disso, o morro se vê então como um espaço homogêneo coberto pela violência e pela pobreza.
Nos filmes mais novos, “Orfeu” e “Cidade de Deus”, a imagem da favela é diferente. Tanto o Fernando Meirelles quanto o Carlos Diegues se preocupam pelo ambiente complexo da favela. Por um lado, eles tentam retratar o aspecto positivo da mesma com figuras como o músico Orfeu e o fotógrafo Buscapé. As duas figuras são apresentadas no centro dos filmes como figuras de redenção; o Orfeu que não precisa das armas para ser famoso, e o Buscapé que também não tem que procurar no narcotráfico para sobreviver. Aqui pode se perceber, além disso, um certo otimismo na cabeça dos diretores. Eles escolhem os protagonistas dos seus filmes e nesse caso não são os narcotraficantes, são as personagens que tem um oficio nobre, uma boa profissão. Esse fato faz que o público preste mais atenção às boas personagens e a falar sobre a possibilidade de superação das pessoas da favela. No mesmo tempo, desmente a idéia geral da favela onde todo o mundo é ladrão. Também, para quebrar com o preconceito da favela homogênea, “Orfeu” apresenta o candomblé da personagem da Dona Conceição (mai do Orfeu) por um lado, e no outro, Seu Inácio, pai evangélico do Orfeu. Pode se ver aqui, que tem as duas crenças na mesma família. Então, a favela não é um grupo homogêneo do candomblé, tem muitas religiões lá.
Mesmo assim, alguém poderia falar que os filmes “Orfeu” e “Cidade de Deus” reproduzem os preconceitos da favela violenta e do mundo do narcotráfico. E tem razão. No “Orfeu”, a figura do Lucinho está no mundo das drogas e seu grupo é violento. No filme “Cidade de Deus”, por outro lado, também tem muitas atitudes violentas nas figuras do Zé Pequeno e do Cenoura. E no final dos filmes, tem muitas mortes. Orfeu, Eurídice, Lucinho, Zé Pequeno, Mané Galinha, e muitas personagens morrem em ambos filmes. Mas dentro deste mundo ruim, a gente pode ver que a maldade não pode ser polarizada. Tudo não é branco ou preto, tem cinza. O Lucinho, por exemplo, ajuda o MJ e da remédios para as famílias da favela. É assim como a figura má também tem coisas boas. E, lá acima de tudo, as presenças do Buscapé, Orfeu e MJ são inegáveis como figuras alentadoras. O Buscapé virou fotógrafo, o Orfeu músico e o MJ pintor, não narcotraficantes.
Segundo o dito, hoje mudou a imagem da favela que se tinha nos anos cinqüenta e sessenta. Tanto Cacá Diegues quanto Fernando Meirelles, tentaram se adentrar nela fazendo entrevistas no primeiro caso, ou retomando as histórias do livro de um favelado, Paulo Lins, no segundo. Nesse intento ambos diretores conseguiram apresentar uma nova favela, longe da favela idealizada das décadas anteriores. Nos anos sessenta, os diretores tinham uma ideia da favela “comunitária”, homogênea. Hoje, essa imagem mudou. Assim concorda a Márcia Leite: “On the cinema screens they [the favelas] are beginning to be seen as heterogeneous realities, internally multifaceted, polysemous and polyphonous” (151).
1. LEITE, Márcia Pereira . The favelas of Rio de Janeiro in Brazilian cinema (1950 to 2000). In: VIEIRA, Else R. P.. (Org.). Vieira, Else R. P. (org.). City of God in Several Voices: Brazilian Social Cinema as Action. Nottingham, CCCP: Critical, Cultural and Communications Press, 2005, v. , p. 149-165.